Uma igreja missional busca seguir o exemplo de Jesus, que foi o maior missionário de todos os tempos, a ingressar em uma nova cultura. Ele deixou uma cultura para entrar em outra, participando dela completamente: falava o idioma, comemorava os feriados, comia e bebia, ia às festas e fazia amizades—tudo isso sem jamais pecar. A vida de Jesus é o perfeito modelo da vida missionária vivida por Deus na cultura que devemos imitar, sem cair na armadilha do sincretismo liberal ou do sectarismo fundamental. É importante notar, no entanto, que, aos olhos daqueles que pensavam de forma fundamentalista e separatista, Jesus foi simplesmente longe demais. Eles viram seus atos como pecaminosos e acusaram-no falsamente de ser comilão e bebedor de vinho e de apoiar o pecado.
A verdade inegável é que a contextualização não é algo feito exclusivamente por missionários cristãos em outras nações, mas por todos os cristãos em todas as culturas, mesmo se eles não reconhecem isso. Sobre esse assunto, Paulo disse em 1 Coríntios 9.19–23:
Pois, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos para ganhar o maior número possível: Fiz-me como judeu para os judeus, para ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se estivesse eu debaixo da lei (embora debaixo da lei não esteja), para ganhar os que estão debaixo da lei; para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que estão sem lei. Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. Ora, tudo faço por causa do evangelho, para dele tornar-me coparticipante.
Mark Driscoll e J.I Packer
No mundo da missiologia, chamamos isso de contextualização. Isto é, as igrejas devem estar cientes do contexto cultural em que estão inseridas, no qual as pessoas perdidas vivem, devendo se esforçar ao máximo para levar o amor e a verdade de Jesus em palavras e ações e ser “tudo para todos”, utilizando “todos os meios” para “salvar alguns”. Em vez de ser um comprometimento, esse trabalho é “por causa do evangelho”, o que significa que qualquer igreja que somente pratica o evangelismo sem antes estudar a cultura e se esforçar para entender o contexto em que está inserida não se importa realmente com o evangelho. Muitas igrejas são projetadas exclusivamente para acomodar pessoas religiosas, já que sua cultura e seus métodos de ministério não são receptivos ou hospitaleiros para as pessoas fora da cultura cristã. Contextualizar é facilitar ao máximo o acesso à igreja sem comprometer a verdade da crença cristã. Assim, o que se busca é uma verdade atemporal e métodos modernos. Em outras palavras, a contextualização não é tornar o evangelho pertinente, mas mostrar a pertinência do evangelho.
Em termos práticos, isso significa que uma igreja missional fala a língua e canta o estilo da cultura sem utilizar uma conversa religiosa, ou o que um pastor chama de “gíria gospel” como amado(a) ou querido(a), porque isso é bíblico. Quando Deus inspirou a escritura do Novo Testamento, as opções eram o grego acadêmico ou o de rua, e Deus optou por escrever sua Palavra na linguagem de rua. Paulo também defende um cristianismo compreensível em 1 Coríntios 14; muitas pessoas na igreja estavam falando uma língua que as pessoas perdidas simplesmente não podiam entender, por isso Paulo claramente ordenou que falassem palavras inteligíveis para que as pessoas perdidas pudessem compreendê-las e serem salvas.
Aqui é importante estabelecer a diferença entre relativistas e relevantistas. Os relativistas estão dispostos a comprometer a verdade cristã em nome de se relacionarem com as pessoas perdidas. Isso é um problema, pois eles buscam mudar Jesus, erroneamente acreditando que ele não é pertinente para as pessoas e a vida delas. Em contrapartida, os relevantistas sabem que Jesus é relevante para todas as pessoas, todos os tempos, todos os lugares, todas as culturas e todas as circunstâncias. Eles estão comprometidos com transpor quaisquer barreiras culturais que se levantem contra o poder e a verdade do evangelho. Eles utilizam quaisquer meios morais para que as pessoas possam claramente ouvir a mensagem de Jesus e ver a pertinência de Jesus.
Além disso, não estamos defendendo as igrejas “sensíveis” aos perdidos nas quais a doutrina é minimizada; antes, preferimos as igrejas “sensatas” aos perdidos. Isso significa que a igreja não deve parar de usar as palavras da Bíblia que estão cheias de significado teológico (por exemplo, pecado, propiciação, ira, julgamento, inferno), mas deve se esforçar ao máximo para explicar essas palavras. Ela deve se defender contra as objeções das pessoas perdidas para que elas possam entender em que os cristãos creem e a razão pela qual creem, enquanto são convidadas a crer também. Ao contextualizar, a igreja missional não faz concessões, mas obedece ao exemplo de Paulo, que repreendeu Pedro por sua tentativa pecaminosa de ter uma igreja somente para os judeus, que não eram receptivos com relação aos gentios e sua cultura.
Como missionários fiéis, os cristãos têm adaptado os métodos e a cultura da igreja ao longo da sua história. Estive na Índia há alguns anos e me pediram que pregasse
em uma igreja de uma comunidade rural. Essa congregação se reunia em um edifício muito simples, feito de blocos de concreto. Todos se sentavam no chão: as mulheres de um lado e os homens do outro. A Bíblia deles era uma versão que eu desconhecia; havia sido contextualizada por meio da tradução em uma linguagem que eles podiam compreender. As crianças participavam do culto, já que não havia uma atividade separada para elas. Os momentos de louvor incluíam instrumentos e cânticos que eu nunca tinha ouvido. Estranhei o fato de o culto dominical não começar na hora marcada, nem ter uma duração pré-definida. Disseram-me que esperaríamos paciente e graciosamente todas as pessoas chegarem para dar início ao culto, que terminaria quando parecesse que fosse hora de terminar. Assim, começamos muito tarde e o culto durou muito tempo, mas, diferentemente das igrejas americanas, ninguém pareceu se importar, nem saiu antes do culto acabar; em vez disso, as pessoas aproveitaram para construir relacionamentos.
Para pregar, pediram que me sentasse na frente, sobre uma plataforma não muito alta, no estilo “guru”, com as pernas cruzadas, e que esperasse o tradutor contextualizar minhas palavras para as pessoas. Sendo tão flexível quanto um hiper-calvinista, eu não estava bem certo de como poderia pregar daquela forma, mas fiz um grande esforço por amor às pessoas e pelo desejo de respeitar suas formas culturais, que não eram proibidas nas Escrituras e, portanto, permissíveis. Contudo, se elas tivessem me pedido para sacrificar um animal, como os hinduístas fazem para agradar seus deuses, eu teria me recusado, pois ser um bom missionário significa fazer tudo que podemos, exceto pecar, para tornar a igreja culturalmente acessível. Acredito que, ao ler essa história, poucas pessoas – ou talvez nenhuma – teriam alguma coisa contra. No entanto, muitas pessoas tendem a fazer julgamentos morais severos sobre qualquer acomodação cultural na igreja em coisas relacionadas à estética, ao modo das pessoas se vestirem, ao estilo de música, ao horário e à ordem de culto.
Por quê? Porque elas continuam a viver sob o mito de que as missões são algo que acontece do outro lado do mundo, e não do outro lado da rua, e de que os missionários são pessoas especiais, e não cristãos normais. Esse é um pecado do qual temos que nos arrepender. Toda igreja é cercada de culturas, subculturas e tribos de pessoas que estão tão perdidas e são tão culturalmente diferentes do cristianismo evangélico ocidental quanto um morador de um vilarejo indiano que se senta no chão, come com as mãos e ara a terra com a ajuda de um boi. Já que devemos amar nosso próximo, devemos ter uma igreja que está culturalmente contextualizada, como um ato de amor.
É verdade que, conforme o evangelho passa de uma cultura para outra, há a complexa questão de determinar o que deve ser rejeitado, o que deve ser aceito e o que deve ser redimido. Isso é verdade para as culturas que enviam e as que recebem o evangelho; o evangelho não será mantido cativo a nenhuma cultura, incluindo a cultura da igreja, sem continuamente chamá-la ao arrependimento.
Esse é um dos motivos por que temos as Epístolas do Novo Testamento. A maior parte do conteúdo delas trata de questões e conflitos relacionados àquilo que devia ser rejeitado, aceito e redimido quando o evangelho avançou da cultura dos judeus para a
dos gentios. Portanto, o Novo Testamento é um exemplo missiológico da difícil obra teológica da contextualização. Hoje, as questões relacionadas à contextualização incluem o modo de se vestir, a tatuagem, o piercing, a cirurgia plástica, os estilos musicais, o uso da tecnologia na igreja, o entretenimento, que inclui televisão e filmes, fumar, beber, a linguagem, a homossexualidade e os desvios sexuais de todos os tipos que podem ser imaginados.
Por ser missional, a igreja primitiva respondia às questões daqueles tempos com fidelidade e contextualidade, por isso, nos dias de hoje, devemos fazer o mesmo.
Trecho extraído do livro “Igreja Vintage” da editora Tempo de Colheita
Fonte: Tempo de Colheita